É, às vezes parecermos não nos dar conta de quantas etapas é recheada nossa vida. Olhamos sempre pro presente e pro panorama que os fatos, talvez gentilmente, nos presenteiam. As coisas passam, tudo que chega se vai e nós ficamos, por mais que pensemos estar andando. Não sei bem ao certo quando me dei conta, mas penso que repentinamente, assim como um raio atinge o chão, percebi que aqui estou eu, depois de três anos de realizações, decepções e experiências diferentes. Como se me perguntasse qual é o próximo passo, permaneço parado. E talvez não esteja tão sozinho quanto ouso imaginar que estou. Acho que, num lugar perdido bem no meio do Brás, mais 119 pessoas se sentem igual ou de forma semelhante a mim. É, três longos anos que passaram tão rápido quanto o dia de amanhã há de passar.
No fundo do meu peito nasce agora uma vontade de gritar, provavelmente por sentir-me incapaz diante de tal situação. Juntamente com essa sensação sobe-me um nó pela garganta, alojando-se e impedindo-me de respirar calmamente como gostaria. Talvez tais palavras soem de modo catastrófico ou pareçam até um exagero para aqueles que as leêm, mas é inegável que as emoções do momento são tão fortes quanto tudo isso. Lembro-me dos dias em que despertei e desejei não ter que enfrentar o Brás novamente, passar pelas dezenas de vendedores ambulantes e ter que desviar de tantos carros que pareciam estar ali apenas para barrar o caminho. Muitas vezes sentia até que armavam um complô contra mim, onde bolivianos, compradores desesperados e motoristas irritados pareciam, de todas as formas, tentar evitar que eu chegasse a tempo para a primeira aula (ou mesmo que sobrevivesse a mais um dia). É, talvez realmente tivessem essa intenção...
Não posso deixar de recordar o espanto que senti ao chegar na tão falada Carlos de Campos. Quiça minhas fantasias com o lugar tenham me iludido, mas ela parecia realmente menor que aquela que freqüentemente se mostrava em minha imaginação. Sua cantina e quadra também eram duas coisas peculiares; desenhos diferentes e muito chamativos haviam sido pintados ali. A primeira impressão do local realmente mudou tudo aquilo que por meses imaginara ser o famoso KK, mas dizer que isso causou qualquer decepção seria certamente contar uma grande mentira.
As semanas se passaram, o ano letivo começou e os primeiros dias também se mostraram interessantes. Pessoas de todos os estilos, gostos e com características e personalidades marcantes andavam pelos corredores esbajando alegria e demonstrando uma amabilidade que eu nunca tivera a oportunidade de apreciar. Talvez fosse o "Dia do Pijama" ou mesmo as brincadeiras intermináveis que foram feitas com os bichos (posso dizer que sei muito bem o que foi isso), mas a escola mostrou um espírito de liberdade que provavelmente nenhum daqueles 120 alunos jamais experimentara. Um mundo novo se abria diante de todos nós e é provável que não tenhamos lidado com essa situação da melhor forma possível.
Seja por conta disso ou até por motivos que não convém serem explicados agora, que no ano seguinte passamos a ser mais reprimidos. Posso até ouvir quase que claramente as reclamações infindáveis, dizendo que havíamos perdido a liberdade e que aquela não era a escola que conhecíamos. É, talvez estivéssemos verdadeiramente certos. Ou talvez apenas fôssemos infantis demais para aceitar as mudanças. As festas diminuíram, os problemas com os primeiros anos começaram e alguns profissionais já não se sentiam mais tão felizes com as coisas que aconteciam. Ainda assim, levamos os meses para frente e passamos por outro ano, sem nem imaginar que agora nos encaminhávamos para a reta final.
Mais um ano teve início e nós achamos que este realmente seria diferente. Embora algumas surpresas possam ter surgido vimos que muitas pessoas já haviam mudado muito. É inegável que não entendíamos ainda nosso papel naquele lugar, talvez porque ainda nem entendêssemos nosso papel no mundo. Um ano de mudanças, brigas, sorrisos e, principalmente, de crescimento. As crianças, ou pré-adolescentes, que há três anos haviam feito uma prova para ingressar numa escola técnica já não eram mais tão pequenas. Os rostos já tomavam formas mais adultas, as atitudes haviam passado por um processo de transformação e, sem dúvida, muitos conceitos haviam sido revistos. Um mês, apenas isso. Era o que faltava para que não mais pisássemos naquele chão como alunos, mas sim como pessoas que ali deixaram marcas, pessoas que já não veriam mais o piso quadriculado e as janelas antigas daquela construção.
E cá estamos nós, a pouco mais de dois dias para o término das aulas. Não mais uma simples quarta ou quinta-feira, mas sim dois dias eternos para aqueles que agora estão de partida. Olhamos para trás e nos lembramos de tudo que passamos, das amizades que fizemos, das pessoas que conhecemos. É, talvez não ouvir mais “Oh, meu jovem” vá realmente fazer alguma diferença. Pode até ser que não poder mais inventar os piores xingamentos para extravasar nossa raiva pelos trabalhos do Thiago faça alguma falta. É possível ainda que sintamos alguma tristeza por não poder mais ir até a cantina e ver a cara da Su ou então deixar que o Marcelo esbanje toda sua simpatia. É, provavelmente jamais encontraremos um lugar como este novamente.
Por isso dele me despeço, não como se o meu mundo nele ficasse, mas como se para minha vida eu o levasse. Aproveitei cada dia da forma que deveria, pois o fiz com amor e com toda a sinceridade que havia dentro de mim. Fui o que era e me tornei o que agora sou, graças a cada pessoa que hoje está ao meu lado. Muitas delas jamais verei novamente, mas isso não significa que as ame menos. Apenas quer dizer que, assim como essa escola, devo deixá-las partir fisicamente e seguirem seus rumos. Tudo tem começo, meio e fim, mas este último não é necessariamente a catástrofe. Hoje parto com a certeza de que dei tudo de mim, fui tudo que pude ser e estive com quem devia estar. Peço perdão se me faltam palavras para dizer àqueles que amo o quão importantes são para mim, mas acho que não há dicionário nesse vasto mundo que consiga expressar o que sinto agora. Até acho que o “acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”, mas discordo com a idéia de que deveria ter amado mais. Amei o quanto pude, o quanto me foi permitido.
Carlos de Campos, hoje você leva um pedaço de mim e deixa também uma parte de ti dentro de mim. Jamais poderei esquecer o que esses três anos significaram para mim e o quanto eu cresci ao seu lado. Para mim não és apenas uma escola, mas sim um amigo que esteve comigo durante todo esse tempo. Por isso só tenho a agradecer-te pelo bem que me fizestes, pois sei que eternamente hás de comigo estar. “KK, ÊOO”, esse é o meu lema e o meu maior sentimento. Para ti deixo aquilo que fui e o que me tornei, comigo levo aquilo que fostes e o que agora és. Novos caminhos serão traçados, mas a linha que construímos jamais será apagada.
Fisicamente pode estar acabando, mas contigo cresci, aprendi..vivi!... Coisas que terei que continuar por mim mesma, eternamente.
ResponderExcluir