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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

(Conto) Um Grande Tombo

Para ela era apenas mais um dia de pressa e desespero, onde deveria correr o quanto pudesse para fazer tudo a tempo. Para ele nada mais que uma segunda-feira usual, com pessoas apressadas por todos os lados e uma garoa não tão comum, porém fraca o suficiente para se tornar suportável. Caminhavam como se o resto do mundo não existisse, mostrando claramente não notarem a presença um do outro. Bom, pelo menos assim foi até o momento em que ela, em sua correria e afobação, tropeçou e foi direto para o chão, estatelando-se com um baque que insinuava ter doído. Se não fosse por aquilo, provavelmente os dois chegariam ao ponto de ônibus sem jamais trocar sequer um olhar, mas aquela situação mudara tudo.
Ele, demonstrando profundo cavalheirismo, correu na direção dela e estendeu sua mão para que pudesse levantar, conferindo cada mínimo centímetro do seu corpo para ver se algo não havia se quebrado ou simplesmente desaparecido. Ela, por sua vez, não pôde deixar de reparar: quão verdes e profundos eram os olhos daquele homem e seus cabelos tão negros que pareciam até terem sido pintados com uma tinta jamais vista ou descoberta por qualquer outro humano. Dois detalhes que conferiam um chamativo contraste com sua pele de tom claríssimo. “Nossa!”. Ela simplesmente perdera-se em tão abundante beleza – pelo menos a seu ver – e não notara que o homem falava com ela.
- Moça, está tudo bem?
- S-s-sim! Está sim! – respondeu abruptamente, como se acordasse de um transe aparentemente inescapável.
- Que bom, porque foi um belo de um tombo! Pensei que pudesse ter sofrido algum machucado ou mesmo torcido o tornozelo, algo do tipo.
- Não, e-está tudo bem, sim. Obrigada!
Mesmo que não estivesse ela não poderia notar; estava tão absorta em seus pensamentos e no choque que acabara de receber que já não pensava com clareza, sentindo como se seu cérebro tivesse parado de mandar os alertas referentes à dor. Podia ter até mesmo sofrido uma fratura exposta e nem sentir, pois sua mente já não se fazia mais presente naquele corpo.
- Por acaso estava indo para aquele ponto? – falou ele, apontando em direção a um ônibus que estava a pouco mais de seis metros à frente.
- Sim, estava. - falou ela, quase soletrando, ainda meio desnorteada, como se procurasse as palavras certas em um vasto dicionário de uma língua desconhecida.
- Pois então acho que podemos ir juntos! Estou indo para um compromisso e preciso pegar exatamente esse ônibus.
Ao ouvir essas palavras a alma dela se encheu do mais puro ânimo. Era como se seu dia tivesse sido refeito e nenhum de seus problemas importasse mais. Pensou imediatamente nos inúmeros filmes de romance com nomes melosos e enredos – para ela – emocionantes. Sentia uma emoção dentro de seu peito que parecia não poder ser controlada e imaginou que com ele também acontecia o mesmo (o que talvez fosse efeito do sorriso enorme que o rapaz prontamente lhe dera há alguns poucos segundos). A magia do mundo havia voltado! Sua vida não seria mais a mesma, pensava consigo.
Os dois embarcaram e sentaram ao lado um do outro. Conversaram durante a viagem inteira como se fossem velhos amigos que não se viam há anos e precisavam ininterruptamente colocar o papo em dia. Descobriram que gostavam das mesmas bandas – o que só aconteceu quando ela notou um som familiar vindo dos fones de ouvido dele, que pareceriam ter sido esquecidos ligados propositalmente, não fosse por conta da confusão. Falaram sobre tudo que se é possível falar em uma viagem de trinta minutos. Ela, em seus pensamentos, não sabia descrever o que sentia, mas entendia que era bom e que queria que ele ficasse ali para sempre. Mas, como se o tempo corresse contra eles, o ônibus se aproximou do local onde se separariam.
- Desço no próximo – falou ele levantando-se rapidamente e aparentando estar triste por ter que pôr fim à diversão.
- Tudo bem então! Obrigada por ter me ajudado! - respondeu a mulher, abrindo um grande sorriso que mostrava exatamente o que sentia: pura alegria.
Como se fosse sua obrigação fazê-lo, o homem devolveu o sorriso, colocando-se agora frente à porta do ônibus e aprontando-se para desembarcar. Arrumava seus fones de ouvido e parecia procurar alguma música que quisesse, embora não demonstrasse muita certeza de sua vontade no momento. Ela não fazia nada além de observá-lo, lembrando-se que talvez jamais o visse novamente e que precisava registrar aqueles momentos. Ainda assim, sentia dentro de si que amanhã mesmo se trombariam e travariam mais uma longa batalha, competindo para ver quem conseguiria falar mais. Finalmente o veículo parou, as portas se abriram e ele desceu sem olhar pra trás, deixando apenas um resquício de seu perfume no ar.
Durante todo aquele dia a mulher não fez mais que pensar nele. Foi extremamente difícil concentrar-se em suas atividades, uma vez que os únicos pensamentos recorrentes em sua mente continham imagens de um casal passeando por parques, indo ao cinema e esbanjando todo o amor que tinham para dar. Não era de se espantar que não tirasse o sorriso do rosto nem sequer por um momento, mostrando um ar claramente apaixonado. Ao fim do expediente, o que se deu dez horas após o incidente, a memória daquele rapaz ainda não deixara sua mente; pelo contrário, tornara-se mais forte e carregada de sentimentos e expectativas. Sem dúvida alguma o veria novamente e aí teria chance de pegar alguma informação que lhes pudesse fornecer um contato permanente, pensava ela.
Saindo do prédio onde trabalhava dirigiu-se para o metrô, que, naquela noite, seria seu meio de transporte. Era inegável que preferia o ônibus, uma vez que este a deixava muito mais perto de sua casa, mas olhar para aquela fila quilométrica esperando para embarcar num veículo que parecia não poder conter metade daquelas pessoas com certeza a desanimou completamente. Descendo as escadas e alcançando a bilheteria, comprou sua passagem. Seguiu em direção à plataforma. Não demorou muito para que o trem chegasse.
As portas se abriram, aqueles que precisavam desembarcar o fizeram e ela entrou no vagão, sentando-se ao lado de uma das janelas. Podia notar que estava excepcionalmente vazio, não fosse por um senhor roncando alto alguns bancos à frente e um casal em pé, encostado em uma das portas. Era incrível como o amor lhe parecia belo naquele momento e como lhe fazia bem ver aquelas duas pessoas se beijando, trocando todo o afeto que lhes era possível. Tão incrível quanto isso foi perceber que o homem, embora estivesse de costas, se parecia muito com aquele que estivera em seus pensamentos durante todo o dia. Como ela queria ser aquela mulher,pensava, tendo a sorte de estar nos braços daquele rapaz que nem o nome sabia ainda. Mas, para seu espanto, talvez a mulher tivesse realizado o desejo ao pé da letra. Era ele - constatou ela após reparar nos cabelos extremamente negros - o mesmo cara que há algumas horas a ajudara a levantar e se mostrara tão prestativo.
O choque foi tão forte quanto o tombo que naquele mesmo dia experimentara. Não conseguia mais achar os pensamentos dentro de sua mente. Ela o amava, por menos de vinte e quatro horas, mas o amava. Aquilo definitivamente não poderia estar acontecendo, pensava consigo. Sua única reação foi encarar o casal como se seu olhar fosse atraído por uma espécie de magnetismo extremamente forte. E, para seu crescente desgosto, percebeu repentinamente que o homem também a olhava. Os dois já não se beijavam mais e ele só conseguia retribuir o olhar, mas não da mesma forma que o recebia. Os sorrisos haviam morrido nos rostos de ambos. Ela sentia-se traída; ele, um grande enganador. Levantando-se rapidamente, ela foi em direção à porta, tentando evitar as lágrimas que insistentemente pareciam querer pular de seus olhos. Todas as imagens que o dia inteiro cultivara despedaçavam-se ali e não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo. Assim que o trem estacionou na estação, ela andou o mais rápido que pôde, sem olhar para trás, numa tentativa frustrada de barrar o sentimento que agora crescia em seu peito; um misto de aperto e desilusão. Novamente distraiu-se e o resultado não foi muito diferente daquele anterior: tropeçou e foi, mais uma vez, parar no chão.
Uma voz surgiu por detrás dela, com um tom grosso, porém extremamente sereno e claramente prestativo.
- Moça, está tudo bem?
Ela, sem ao menos virar-se para ver quem falava, levantou-se e pôs-se em posição novamente.
- Sim, obrigada. Estou bem.
Não queria ajuda, não precisava de ajuda. E, como se todo aquele dia jamais tivesse acontecido, voltou a andar, pensando apenas no jantar que provavelmente a esperava quando chegasse em sua casa.

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